sábado, 17 de novembro de 2007

A igreja local é uma comunidade de resistência

A igreja local é uma comunidade de resistência
Bispo Josué Adam Lazier

O Plano Nacional – Objetivos e Metas, aprovado pelo 17º Concílio Geral e incorporado pelo Plano Nacional Missionário aprovado pelo 18º Concílio Geral, incluem na pauta da Igreja o tema de uma comunidade de resistência. Este tema foi muito pouco refletido nestes últimos cinco anos e ele se destaca neste período do ano em que nos encontramos no meio de muitos acontecimentos em vários lugares do mundo e que indicam a necessidade de a Igreja de Cristo ser o sal da terra e luz do mundo. Por sermos uma Igreja formada por pessoas que vivem num contexto de violência, de deturpação das questões religiosas, de corrupção, de individualismo, de banalização dos valores da vida e da família, de diversas formas de discriminação e preconceitos, a vida de nossas igrejas locais são afetadas e muitas atitudes e movimentos intra-muros nascem em decorrência deste contexto globalizado. O Plano Nacional afirma: “a igreja local, contrariamente às tendências do mundo contemporâneo, entende-se como comunidade solidária, comunidade de luta por justiça, comunidade de denúncia profética, comunidade de paz”. Afirma ainda: “a comunidade de resistência é desafiada a saber separar o que convém e o que é incompatível com a dignidade do cristão e do ser humano”.

Desta forma, indicamos alguns aspectos que compreendem a vida de uma igreja de resistência:

1. Resistir à sociedade desumana e injusta. O livro de Apocalipse conclama o povo de Deus a resistir e lutar. A mensagem de João quer despertar a fé e a esperança do povo de Deus em meio a muitas lutas e perseguições. Trata-se, portanto, de um livro atual, pois também vivemos num mundo opressor e gerador de morte. Um mundo onde a injustiça e a morte têm mais força que a Justiça e a Vida. Hoje também há muitos “impérios” que tentam impedir o povo de Deus viver e celebrar a vida. Mas vale a pena resistir e lutar acreditando que a sociedade pode ser transformada, pelo testemunho e pelo serviço cristão. Esta esperança deve levar nossas igrejas a uma ação mais concreta, consciente e comprometida com a justiça do Reino de Deus. O futuro depende da maneira como nós cristãos encaramos as lutas da vida, os problemas que surgem e os movimentos que atentam contra esta vida que é dom de Deus. Resistir e lutar. Esta foi a mensagem do Apocalipse para os cristãos do século I da nossa era. Esta é a mensagem para nós hoje. A Igreja de Cristo tem a força da fé e da esperança, o poder do amor e da paz, a presença constante do Espírito Santo e os valores do Reino de Deus que dão a sustentação para que o “ser sal da terra e luz do mundo” se concretize. Quando a Igreja perder esta dimensão ela deixará de ter o seu lugar como comunidade missionária.

2. Resistir à minimização da presença da Igreja como comunidade de pastoreio. A Igreja que vai permanecer cumprindo com os propósitos bíblicos, teológicos, missionários, pastorais e doutrinários, é aquela que desenvolver o cuidado pastoral para com os seus membros. Neste sentido, a igreja é sacerdotal, terapêutica, acolhedora, comunidade de amor e de amparo. Mas, ao contrário disto, a igreja que seguir o caminho da massificação, do crescimento como fim em si mesmo, da promoção da auto-ajuda no lugar da reflexão bíblica, teológica e pastoral, do culto destituído de atos de arrependimento, confissão e dedicação a Deus, da falta de ética, do individualismo, da discriminação e da exclusão, estará minimizando a sua presença na sociedade e, conseqüentemente, deixando de ser o sal da terra e a luz do mundo.

A relação entre fé e vida cristã deve ser fortalecida. A igreja não é meramente um ajuntamento de pessoas que encontraram pontos comuns, mas sim a comunhão de entre aqueles e aquelas que alcançados pela graça de Deus aprenderam a importância e o valor da fé cristã e a convicção de que esta fé deve ser agente de transformação na vida pessoal, familiar, social, profissional, no exercício da cidadania e na prática dos mais altos valores do Reino de Deus. Os metodistas afirmam em sua doutrina social a “responsabilidade cristã pelo bem-estar integral do ser humano como decorrente de sua fidelidade à Palavra de Deus expressa nas Escrituras do Antigo Testamento e Novo Testamento”. Neste sentido, a Igreja de Cristo deve promover, além do cuidado pastoral, os direitos humanos, pois a vida é um dom de Deus.

3. Resistir aos movimentos neopentecostais. A Igreja é pentecostal, no sentido de que ela é movida pela ação e pela dinâmica do Espírito Santo de Deus. Mas ela não segue o curso dos movimentos denominados de neopentecostais, que apresentam eclesiologias, práticas ministeriais e ações pastorais que não combinam com a identidade doutrinária e a confessionalidade que fundamentam a organização da Igreja. Movimentos como G-12, pré-encontros, encontros e pós-encontros, onde impera o segredo e a promoção de conceitos doutrinários diferenciados daqueles que são confessados pela Igreja, são maléficos e divisionistas. Além destes, outras tendências que surgem como ondas que vêm e vão embora, mas que deixam marcas na vida daqueles/as que foram alcançados/as por tais práticas. Resistir é legitimar nossas doutrinas, nossos costumes, conservando assim a sã Palavra de Deus.

4. Resistir ao hasteamento de bandeirolas. O certo é que vivemos num país e num contexto latino-americano marcado pela dor, pela divisão, pela violência, pelo desamor, pelas injustiças, pela pobreza, pela mendicância, pela falta de diálogo, pela marginalização, pela discriminação, pela religiosidade que legitima o status-quo, pelo mercantilismo religioso, pela exacerbação da intolerância, pela dominação das drogas e dos traficantes, pela ditadura da corrupção, etc. Vamos, como Igreja, encontrar a força para levantar bem alto nossas bandeiras, sobretudo a bandeira da santidade bíblica, e deixarmos as bandeirolas, que não passam de disputas entre nós mesmos, de somenos importância para o Reino de Deus e para o momento atual da missão da Igreja em terras brasileiras e contexto latino-americano. Este é desafio do metodismo: “manter-se em constante avivamento, o qual quer dizer renovação interior, porém evitando cair nos meandros de um sentimentalismo infecundo e até psicopatológico. Manter seu entusiasmo sem desvinculá-lo do regime da inteligência e da cultura, ao mesmo tempo precavendo-se de um intelectualismo congelador. Prosseguir ardentemente seu labor de evangelização, sem trocá-lo por estratégias de ordem político-partidário e de táticas violentas, e acompanhando um intensificado trabalho pastoral, motivado pela dinâmica do amor, da justiça e do serviço. E em seu regime interior, mostrando como é possível governar e conviver sem imposições autocráticas nem demagogias desintegradoras”.
[1]

5. Resistir mas com submissão à ação do Espírito Santo. Temos o desafio de nos submetermos a ação soberana e dinâmica do Espírito Santo. O Plano de Vida e Missão nos afirma que “o metodismo proclama que o poder do Espírito Santo é fundamental para a vida da comunidade da fé, tanto na piedade pessoal como no testemunho social (Jo 14.16-17). Somente sob a orientação do Espírito Santo, a Igreja pode responder aos imperativos e exigências do Evangelho, transformando-se em meio de graça significativo e relevante às necessidades do mundo (Jo 16.7-11; At 1.8, 4.18-20)”. Que a ação, o poder e a dinâmica do Espírito de Deus nos leve a reconhecer o Senhorio de Jesus Cristo em todas as áreas da nossa vida.

Reformar a nação, particularmente a Igreja, e espalhar a santidade bíblica por toda a terra. Esta é nossa maior “bandeira”. A “santidade bíblica” como expressão básica da salvação, pela vivência da fé e das obras de piedade e misericórdia, continua a ser o desafio missionário do povo chamado metodista”.[2] Que a força do Evangelho, que mobilizou e impulsionou pregadores/as leigos/as e pastores/as, ao longo destes 265 anos, que levou a expandir o metodismo e a espalhar a semente do Evangelho e do Reino de Deus, continue a operar em nossos corações, “para que o mundo creia que Deus nos enviou” (João 17.21). Recordemos sempre que Deus nos chamou para abençoar e fazer discípulos em todas as nações (Mt 28.18-20), empunhemos as “bandeiras” do metodismo histórico e contemporâneo e ajudemos nosso povo a ser sal da terra e luz do mundo. Que esta resistência seja marcada pela esperança e pela “paz de Deus, que excede todo o entendimento” ( Fl 4.7), mas que guarda o nosso coração e a nossa mente em Cristo Jesus.



[1] Camargo, Justo Báez. Gênio e Espírito do Metodismo Wesleyano. Imprensa Metodista. São Paulo, 1986, pg. 82.

[2] Colégio Episcopal da Igreja Metodista, Plano Nacional – objetivos e metas. Biblioteca Vida e Missão. São Paulo, 2001, pg. 42.

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