terça-feira, 17 de maio de 2011

Pastor denuncia abusos de poder na Igreja Metodista

Pastor denuncia abusos de poder na Igreja Metodista

Prezados irmãos e irmãs,


Me apresento aos metodistas brasileiros, na condição de membro da Igreja Metodista, para tecer algumas considerações sobre a dinâmica de acolhimento de irmãos e irmãs metodistas da cidade de Belém do Pará, região Norte do país.
 
Sei que a situação que envolveu esse acolhimento é inusitada e, talvez, tenha ocasionado alguns constrangimentos para muitas pessoas, mas, por uma razão óbvia, aprendi desde cedo, os caminhos inerentes à mística do ministério pastoral e fui ensinado pelos meus pastores o significado do apoio e acolhimento ao diferente, mesmo o muito diferente. A máxima “Pensar e deixar pensar”, tão fundamental para a dinâmica de uma Igreja conciliar, ou que se pretende conciliar, máxima esta exorcizada por muitos na atualidade, sempre serviu, pelo menos na concepção de muitos metodistas, como um paradigma para a fundamentação relacional, tão cara aos princípios mais basilares do Evangelho.


Tenho consciência de que na atualidade, líderes, visando a tranquilidade do arraial impõem sua visão e se afirmam diante da obediência dos liderados. Não poucos(as) pastores(as) têm vociferado em seus púlpitos palavras de abuso, determinando uma obediência muda para que os membros da igreja não se tornem feiticeiros, numa grotesca e fundamentalista alusão a 1 Samuel 15.23. Ao contrário disso, sempre busquei o caminho da elegância e da educação, dando minha resposta, tão somente, através da dedicação e do serviço, com os olhos fitos nos princípios da justiça, mesmo quando era derrotado em decisões conciliares ou em qualquer tipo de reunião. A vontade alheia sempre foi por mim respeitada. Aliás, somente consigo compreender a missão na Igreja e a teologia, ou o que se requer dela, na sua forma encarnada, como práxis, diaconia, serviço, conciliações, justiça e Reino. Sempre me esmerei no intuito de ser realmente pastor. De ser um companheiro e amigo nas horas das alegrias e também das dificuldades. Pastoreio, assim, as ovelhas do rebanho que não é meu, é de Deus. Visito-as e acolho-as em suas possíveis crises existenciais.
  
Dessa forma acolhi 42 membros oriundos de outras Igrejas Metodistas da cidade de Juiz de Fora e um membro da cidade de São Paulo, que no passado fora pastor metodista. Todos, muito queridos por mim. 
 
Confesso, entretanto, que gostaria que fosse diferente. Eu queria que estas pessoas continuassem perpetuando a alegria de celebrar junto aos(às) seus(suas) antigos(as) amigos(as) nas suas respectivas Igrejas. Esse afastamento provocou lutos outros que ainda estão sendo elaborados. Quero somente lembrar que as causas que levaram esses irmãos ao afastamento são as seguintes:
 
1. Uso indiscriminado de campanhas financeiras travestidas de campanhas de vitória através da oração;
2. Excesso de pregadores de distintas denominações nos púlpitos de nossas Igrejas;
3. Obrigatoriedade de participação no encontro metodista do pacto ou encontro com Deus, para exercimento de funções junto a Igreja;
4. Aceitação indiscriminada de toda e qualquer proposta ou “visão” dos(as) pastores(as).

Sobre este último aspecto, é curioso notar que na atualidade, a discordância dos leigos quanto às ideias e formas dos pastores tem a ver com rebeldia. Os chamados “rebeldes” são encaminhados para a “santa inquisição metodista”. O princípio do sacerdócio universal de todos os crentes foi completamente abolido de muitas igrejas.
 
Ora, o problema do autoritarismo na Igreja por parte das ordens sacerdotais não é novo e já foi denunciado por Martinho Lutero. Em suas próprias palavras: “Pois daí vem essa detestável tirania dos clérigos com relação aos leigos. Confiam na unção corporal pela qual suas mãos são consagradas e, depois, na tonsura e na veste. Não só creem que são mais que os cristãos leigos, que são ungidos com o Espírito Santo, mas quase os consideram como cachorros indignos de serem enumerados juntamente com eles na Igreja. Por isso, atrevem-se a mandar, exigir, ameaçar, pressionar e espremer em todo o sentido. Resumindo: o sacramento da ordem foi e continua sendo uma maquinação belíssima para consolidar todas as monstruosidades que se cometeram e ainda se cometem na Igreja. Aqui desaparece a fraternidade cristã, aqui os pastores se transformam em lobos, os servos em tiranos, os eclesiásticos em mais que mundanos”. (Do Cativeiro Babilônico da Igreja. In: Martinho Lutero: Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal, 1989, vol. 2, p. 414). 


A propósito, tive a oportunidade de participar do último Concílio Geral e vi, ouvi, senti e, infelizmente, participei sem comungar de um dos mais atrozes momentos da história da igreja metodista em terras brasileiras. Fiquei pasmo em descobrir ali os “reais” interesses que moviam as orações e as celebrações. Eu, inclusive, tinha conversado com um bispo informando-lhe que os burburinhos pré-concílio eram terríveis e que a Igreja seria atropelada por decisões unilaterais. Sugeri até mesmo o cancelamento do Concílio, o que não foi possível. As eleições dos bispos e da bispa foram momentos de desrespeito, infâmia, discórdias, maledicência, jogo sujo... Ouvi de um bispo, em particular, o desabafo indignado em relação a pastores que, pela frente, batiam as mãos nas costas dele e por trás, queriam a sua degola.


Por estas e outras convicções de fórum estritamente pastoral, resolvi acolher os 17 irmãos e irmãs de Belém do Pará e arrola-los como membros em nossa Igreja Metodista de Bela Aurora. Informo que, além desses, ainda serão acolhidos diversos adolescentes e crianças, que ainda não professaram a fé. 
 
Tenho a nítida clareza de que agi, insisto, num foro estritamente pastoral, numa brecha de lei canônica e numa ampla porta aberta, marcada pela (i) lógica do Evangelho de Jesus. Não fiz coisa alguma pensando em denegrir ou afrontar a imagem de quem quer que seja. Entretanto, sei que acabei apontando e denunciando o problema da autoridade, que em minha compreensão, é o calcanhar de Aquiles da Igreja atual. Ora, autoridade é fundamental para a dinâmica da práxis missionária da Igreja, mas é preciso considerar que uma autoridade somente pode ser exercida em três variáveis: pelo caminho da legalidade (que se caracteriza pela imposição da lei ou da força de coerção); pelo caminho da legitimidade (que ocorre quando uma comunidade percebe o carisma de seu líder ou pessoa responsável e legitima sua autoridade); e pelo caminho ideal, numa espécie de dialética entre legalidade e legitimidade, desde que a legitimidade seja a tônica do discurso, porque marcada pela conquista e serviço. Assim, acredito piamente que autoridade, com princípios bíblicos, é conquistada pelos caminhos relacionais na dialética de uma legalidade afirmada, posteriormente legitimada na vivência com a comunidade.
 
Nesse fórum pastoral, não creio ter ferido a ética. 
 
Decorreu desse abraço a formulação de uma queixa contra a minha pessoa por parte da liderança da REMA e da igreja central de Belém. A queixa questiona minha atitude, principalmente pelo fato dos(as) irmãos(ãs), que foram acolhidos por mim, estarem em disciplina. Ora, que disciplina? A que vem arbitrariamente do púlpito? A que vem como abuso do poder? Quando percebo que alguém está se desviando dos princípios da igreja ou mesmo da fé evangélica, procuro essa pessoa, vou a casa delas. Desejo ouvi-las e conciliá-las. Como se pode estabelecer disciplina eclesiástica para membros na Igreja Metodista sem os percalços canônicos? Expliquem-me, por favor!
 
Informo também que nos primeiros contatos com estes(as) irmãos(ãs) acolhidos(as), ficou claro para mim a perspectiva de que eles(as) não queriam ir para Igrejas Batistas ou Igrejas Presbiterianas, entre outras, mas queriam continuar membros da Igreja Metodista. Assim, assumi o acolhimento pensando em coisas estranhas que acho, não fazem mais parte do nosso convívio eclesiástico, tais como, por exemplo: unidade, conexidade, liberdade de espírito, pastoreio, entre outras.
 
Informo aos irmãos que trabalhei tão somente para resguardar a unidade da Igreja. Eu sei que às vésperas de um Concílio Geral, essa minha ação pastoral pode parecer ação politica para evidenciação de minha pessoa. Tenho o coração no altar e todos os mais próximos sabem muito bem que as decisões tomadas se deram por uma estrita devoção ao Evangelho.
  
Então, a minha ação de acolhimento, tão somente isso, não é uma ação esporádica com tonalidade puramente teórica. Como já evidenciei, o Evangelho para mim é Evangelho encarnado e, como tal, precisa ser prático seguindo a lógica do serviço. Por isso, tenho estado com o grupo mensalmente. Celebramos a Ceia do Senhor e nos apoiamos mutuamente.

Pergunto-me: por que essas pessoas foram excluídas? Por que tinham que aceitar a imposição de uma visão pastoral? Por que as decisões conciliares não foram respeitadas? Por que não se pôde sentar em uma mesa para saborear uma deliciosa maniçoba ou o pato no tucupi e buscar amizades?
 
Mesmo diante dessas questões de ordem prática, eu estou sendo questionado em minha ação de acolhimento. Eu disse na primeira reunião da comissão de disciplina que se eu tivesse adulterado com mulheres da igreja local, ou dado um calote em estabelecimentos da cidade, ou ainda, se tivesse tido uma vida irresponsável em relação às finanças e organização da minha igreja, então eu diria estar arrependido, choraria, pediria perdão, receberia uma exortação, uma disciplina de três meses, e tudo voltaria “tudo como dantes no quartel d’Abrantes”.

Concluo, assim, esse meu breve relato, solicitando aos(às) meus(minhas) irmãos(ãs) metodistas que se manifestem contra arbitrariedades, que denunciem os abusos de poder, que reclamem pelo genuíno Evangelho de Jesus Cristo, que busquem a justiça, que digam não ao “papismo” que afronta a simplicidade do Reino que é sempre uma dimensão modesta, de pequenas ações. Ora, quem faz a Igreja é o povo, não os(as) pastores(as), os(a) bispos(a); quem dá dízimo para a manutenção da Igreja são as pessoas de coração sincero que amam a Igreja. A Igreja precisa ser ouvida. 
 
No amor de Cristo, Senhor da Vida,

Moisés Abdon Coppe
Membro e pastor na Igreja Metodista de Bela Aurora.

Esta é uma versão encurtada da carta intitulada "Considerações aos Metodistas Brasileiros", distribuída na internet.

Para compreender o pano de fundo:

Metodistas que sofrem perseguição: http://metodistaconfessante.blogspot.com/2011/04/metodistas-que-sofrem-perseguicao-sao.html (04/04/2011)

O caso Belém e a carta solicitando ação pastoral ao revmo. Bispo Adolfo: http://metodistaconfessante.blogspot.com/2010/09/o-caso-belem-e-carta-solicitando-acao.html (09/09/2010)

O retorno do Santo Ofício ao Pará: http://metodistaconfessante.blogspot.com/2009/08/o-retorno-do-santo-oficio-ao-para.html (18/08/2009)

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