quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Ao mestre, com carinho... Vida e obra de Elias Boaventura


Por Almir de Souza Maia (*)

“Tudo bem, se melhorar estraga”. Essa expressão era conhecida e cantada em verso e prosa pelo Prof. Elias Boaventura, que recentemente nos deixou, mas cuja vida e contribuições permanecem conosco. É mais uma expressão, entre outras que ele utilizava no cotidiano, como que passando sua própria filosofia de vida e trabalho que marcou a todos quantos com ele conviveram. Ele era dessas pessoas cativantes, amiga, amorosa e todos gostavam de estar ao seu lado para admirar e perceber sua forma diferente de viver e interpretar a vida. Os que conviveram com ele podem avaliar a profundidade dos sentidos que ele transmitia na sua forma simples de comunicar. Este é um depoimento entre tantos que estão sendo escritos após o falecimento do Mestre Elias ocorrido em sete de janeiro passado, não chegando a celebrar seu aniversário que ocorreria em vinte e oito de janeiro.

Portador de sabedoria impar, afirmava ser necessário viver não de forma instalada e passiva, mas com exposição aos conflitos. Não apreciava a acomodação propiciada pelas zonas de conforto, trabalhava na perspectiva da complexidade. Para ele as coisas e os processos tinham que ser tratados no contexto da realidade e necessidades humanas. Afirmava, por isso, que “atrás de morro tem morro” - outra frase curta usada pelo professor e que traduz sua maneira de enxergar a vida e ensinar. Estimulava os processos de crise por acreditar que os conflitos e a explicitação do contraditório ajudavam as pessoas e as organizações a crescerem.

Explicitou essa forma de viver concretamente durante o período em que foi Reitor da Universidade Metodista de Piracicaba (1978/1986). Pessoalmente, tive o privilégio de ser o seu Vice-Reitor, ao seu convite, durante mais de sete anos e posso testemunhar sobre uma convivência de quase quatro décadas com o Prof. Elias. Nessa convivência, senti bem de perto a sua coragem, o que ele representava para a educação e sua preocupação com a inclusão social, democracia, justiça, equidade, daí a sua vida a serviço dos “sem-voz” e sua militância nos movimentos e processos de libertação social no contexto brasileiro. A sua visão de educação destoava absolutamente do senso comum, sobretudo em um período da história política do país em que ele se envolveu para mudá-la.

Enquanto Reitor trabalhou uma proposta de “universidade alternativa” e crítica, que fosse além da educação de manutenção, para dentro e reprodutora do modelo vigente. Propunha uma educação para fora e como instrumento de transformação das pessoas para a vida. Dizia que a sala de aula tradicional não contribuía para essa transformação, afirmação difícil de ser entendida e aceita pela comunidade acadêmica, mas que encerrava a perspectiva crítica e dialética que trazia da educação. Assim, trouxe para dentro da Universidade o debate das grandes questões sociais, quase sempre distante do mundo universitário. E a UNIMEP, como sabemos, foi espaço dessa experiência praticamente inédita na universidade brasileira. Certamente, ele não foi entendido na época e somente mais tarde sua ideologia pôde ser mais bem processada e até aceita. A UNIMEP é depositária dessa herança: Prof. Elias e o coletivo plasmaram a identidade de vanguarda que a caracteriza no cenário educacional.

A visão e atuação progressistas do professor não agradavam a “segmentos reacionários da Igreja”, como ele dizia, e recebeu deles resposta contrária ao que se dizia e praticava na UNIMEP, de acordo com as “Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista”. Sua postura crítica e socialista incomodou segmentos da Mantenedora e acabou culminando, em 1985, com uma intervenção desastrosa na Universidade, a qual reagiu para garantir a sua autonomia. Esse fato se tornou conhecido como “janeirada”, uma crise sem precedentes na história da educação metodista no Brasil. O Reitor Elias foi demitido de suas funções e o mesmo também aconteceu comigo, seu Vice-Reitor. Em defesa da autonomia universitária, ele foi protagonista de um movimento que contou com o apoio integral da comunidade da UNIMEP e garantiu a retomada da normalidade institucional. Esse movimento foi suficiente para instalar na Universidade uma postura de defesa da autonomia universitária, à frente da qual ele sempre esteve, em constante vigilância. Mais recentemente, no final de 2006 e em 2007, a UNIMEP novamente teve a sua autonomia ameaçada por decisões do Conselho Diretor. O Ex-Reitor Elias Boaventura, junto com outros ex-dirigentes e segmentos da comunidade universitária, mais uma vez, pôde contribuir com sua experiência em um momento complexo da vida unimepiana. Esteve ao seu lado, refletiu, fez mediações, escreveu vários artigos sobre a maneira inadequada da Igreja encaminhar as questões na sua relação com a Universidade. Em meio a esses momentos tensos e complexos, o Prof. Elias continuava afirmando: “Tudo bem, se melhorar estraga”.

Ele estudou no Instituto Granbery, em Juiz de Fora, Minas. Durante seis anos foi aluno interno dessa tradicional escola metodista mineira. Amava a sua “alma mater”, que soube respeitar. Chegou a dizer: “... foram seis anos ótimos, aprendi muito como aluno”. Sem dúvida, a sua condição de granberyense foi celebrada em toda a sua vida. Sempre se manteve ativo e participou da Associação dos Granberyenses, entidade que congrega os ex-alunos e vai completar noventa anos. Em Piracicaba, criou, em 1995, o Setor Sudeste Paulista desta Associação do qual foi presidente. No último encontro do Setor, em agosto passado, Prof. Elias recebeu expressiva homenagem dos colegas granberyenses.

No Granbery ele era conhecido como “Trombone”, por causa de sua voz grave e mais por ser a voz de tantos estudantes que buscavam nele ajuda e apoio, especialmente quando em situação de injustiça e de crise. Assim, desde cedo ele trazia em sua vida o compromisso com o sofrimento do outro. Confirmando essa relação com sua ex-escola, em seus planos acadêmicos se preparava para o pós-doutorado na Universidade Metodista de São Paulo e o tema seria o Granbery, não por acaso.

Somos herdeiros e chamados a continuar essa bela história de vida de nosso mestre, com carinho...

(*) Reitor UNIMEP (1986/2002)
Presidente da AG - Setor Sudeste Paulista - 23/1/2012

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