segunda-feira, 24 de março de 2014

A diferença entre a Igreja que conserta e a que apoia pessoas

A diferença entre a Igreja que conserta e a que apoia pessoas

helping hands
Na última visita às igrejas que suportam o ministério que meu companheiro de vida, fizemos uma parada não planejada para ver um querido amigo, o rev. Steve Cain. Ele estava em plena hora de trabalho em sua igreja com um grupo de pessoas que lutam para superar os mais variados tipos de dependência e que faz parte de um programa amplo nos Estados Unidos chamado: Celebrate Recovery (celebrando a recuperação).
Fomos chamados para partilhar do almoço e das atividades do grupo naquela manhã de inverno intenso. A pessoa que conduzia as reflexões do dia foi categórica em afirmar que era alcoólatra e que, por mais aquele, faria todos os esforços para manter-se sóbria.
Aquela mulher me chocou fortemente ao colocar uma caixa de ferramentas sobre a mesa e afirmar com bastante veemência o seguinte: “Esse grupo não existe para consertar pessoas, mas, para apoiar pessoas…”
Em meu íntimo, fiquei imaginando como esses objetos, que usualmente se guarda numa caixa de ferramentas, são inapropriados para lidar com pessoas. De repente, fui me encolhendo por dentro ao perceber que, o que mais tenho visto nos últimos 25 anos de vida ativa na igreja, é a utilização de ferramentas rústicas e inapropriadas para humanos sendo usadas para ajustar, reformar, remendar, apertar e até desmanchar pessoas.
Parece que, de algum modo, o cristianismo vem perdendo vertiginosamente a humanidade. No trato com as pessoas doentes, machucadas, feridas e quebradas esta desumanidade tem se tornado cada vez mais visível. Ao invés de apoiá-las, para que se fortaleçam e consigam se reerguer por elas mesmas, tenta-se, à força bruta, torná-las à imagem e semelhança daquilo que nem de longe se assemelha às boas novas anunciadas por Jesus de Nazaré.
Em relação a equidade das minorias, em especial aos LGBTs(Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) é possível afirmar que há ações e posturas que, além de desumanas, são perversas. Tenta-se “consertar” as pessoas à base do martelo, alicates e serrotes; serrando-lhes não somente o corpo, mas a alma e o espirito. Já não podemos dizer que estamos vivendo em crise de identidade ou em crise dos valores cristãos; estamos sim, nos desapegando da humanidade de Jesus; (re)pregando-o na cruz sucessivas vezes junto com os que sangram machucados pelas ferramentas da grande caixa “cristã”. É assustador.
A título de exemplo, cito o caso do Rev. Frank Schaefer da Igreja Metodista dos Estados Unidos que, após ser alertado por terceiros que o filho era gay e que apresentava tendências ao suicídio, resolveu romper o silêncio e colocar-se ao lado do filho e apoiá-lo, dando-lhe inclusive a benção em sua união homoafetiva. Em consequência disso a conferência do Leste do Estado da Pensilvânia, utilizando-se dos instrumentos da caixa de ferramenta retirou-lhe as credenciais. Melhor teria sido chorar a morte do filho em silêncio?
Penso que a grande questão que nos tem sido colocada por esses e outros fatos é: Será possível afirmar a existência do cristianismo descolado, desgrudado ou separado das “fórmulas” humanizadas e humanizantes que Jesus tinha para lidar com as pessoas?
Será que não alcançamos o ápice da construção de um cristianismo sexista, homofóbico, elitista, branco e capitalista? Se não, que mudanças significativas foram promovidas pela Igreja no avanço dos direitos das mulheres, dos Gays, dos pobres, dos índios e dos negros? E mais, que espaço essas minorias(?) ocupam na Igreja hoje? Elas foram promovidas, ou invisibilizadas pela Igreja?
Até parece que o texto do profeta Isaías (1:11-17) foi escrito para contestar a religiosidade desses dias:
De que me serve a mim a multidão de vossos sacrifícios? – diz o Senhor. Estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de animais cevados e não me agrado do sangue de novilhos, nem de cordeiros, nem de bodes. Quando vindes para comparecer perante mim, quem vos requereu o só pisardes os meus átrios? Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e também as Festas da Lua Nova, os sábados, e a convocação das congregações; não posso suportar iniqüidade associada ao ajuntamento solene. As vossas Festas da Lua Nova e as vossas solenidades, a minha alma as aborrece; já me são pesadas; estou cansado de as sofrer. Pelo que, quando estendeis as mãos, escondo de vós os olhos; sim, quando multiplicais as vossas orações, não as ouço, porque as vossas mãos estão cheias de sangue. Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos; cessai de fazer o mal. Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei ao opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas.
John Wesley, fundador do movimento metodista, assim repreendia seus pregadores: “Se você não puder trazer alívio, também não traga aflição!”
Que Jesus nos apoie para que consigamos lacrar nossas caixas de ferramentas e adquirirmos forças suficientes para abrir o grande e precioso “Baú de graça” contido na Bíblia.
Pode até ser que o cristianismo institucional esteja agonizando, mas, o Jesus ressuscitado sobrevive além das paredes dos templos através das testemunhas que o imitam na prática de um Evangelho que apoia e levanta as pessoas do chão.
Olhemos para essas testemunhas, e para Jesus, com fé.
Publicado originalmente em: http://marianewnum.wordpress.com/2014/02/24/a-diferenca-entre-a-igreja-que-conserta-e-a-que-apoia-pessoas/

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