quarta-feira, 16 de julho de 2014

A Fé Reflexiva


A Fé Reflexiva


reflexão
Carl Gustav Jung, psicólogo cristão, estabeleceu o conceito de individuação como centro de sua Psicologia. A individuação é, segundo Jung, o processo pelo qual a pessoa torna-se progressivamente durante toda a vida o ser pleno, unificado, tal qual almejado por Deus.(*1) Partindo do pressuposto de Jung, a fé reflexiva é resultado da individuação humana. Sem ambas é impossível tornar-se o ser pleno almejado por Deus.
Neste sentido pode-se retomar à visão do fundador do Metodismo. Wesley submeteu-se à fé reflexiva e foi esta submissão que o conduziu ao encontro do verdadeiro sentido de ser cristão e de possuir uma fé autêntica, à partir das dúvidas e dificuldades inerentes ao caminhar da fé. Em sua auto-análise Wesley chegou a confessar: Meus amigos afirmam que sou louco, porque eu digo que não era um cristão há anos atrás. Eu afirmo que não sou um cristão agora. Na verdade, o que eu possa ter sido eu não sei, se eu tivesse sido fiel à graça recebida [no dia 24 de maio], quando, esperando nada menos, eu recebi tal sensação de perdão dos meus pecados como até aquele tempo eu não conhecia. Mas que não sou um cristão, neste dia, eu tenho tanta certeza como de que Jesus é o Cristo. (…) embora tenha dado e ainda dou, todos os meus bens para alimentar os pobres, eu não sou um cristão.(*2)
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Aqui percebe-se que Wesley não concebe a fé como um estado acabado. HEITZENRATER afirma: Wesley estava consciente do seu próprio [limite e] desenvolvimento teológico e espiritual; ele estava igualmente preocupado com a caminhada religiosa e intelectual de seus seguidores(*3). De modo muito especial, havia uma preocupação com aqueles que estariam na linha de frente das congregações, pois caso não houvesse capacitação adequada, em todos os sentidos, o trabalho resultaria em fracasso. Diante de tal fato mencionou sua decepção nas minutes: Quase todas as sementes caíram à beira da estrada; poucos frutos dela permanecem. (*4) Por isto, desde os primórdios do movimento metodista, Wesley tratou com seriedade, às vezes até extrema, da formação de seus pregadores.
Diante da força da necessidade de seu tempo, Wesley se viu compelido a aceitar pessoas com baixa formação educacional, todavia, a estas não dedicou complacência, ao contrário, ele e seu irmão Carlos constantemente examinavam o desenvolvimento dos pregadores e não era incomum que destituíssem os que não respondiam às expectativas que os irmãos consideravam razoáveis para o trabalho pastoral. Certa feita, num dos exames para pregadores incorreu-se sobre os hábitos de leitura; quando Wesley constatou o não cumprimento das leituras sugeridas, questionou: Não estão muitos de nós ainda carecendo de seriedade?(*5) Em outra ocasião, quando um dos pregadores reclamou da quantidade de leituras exigidas, afirmando que não gostava de ler, Weley foi categórico dizendo algo assim: Então trate de gostar ou arrume outra profissão.
O Espírito Santo que sopra no meio da Igreja e derrama fogo no meio do povo é o mesmo que age nas salas das universidades e nos círculos de estudos bíblicos. Um discurso “espiritualista” equivocado separa os lugares de atuação do Espírito Santo e pode ser usado como apologia da arrogância, da ignorância e da preguiça intelectual. Ao cairmos nesta armadilha, poderemos até nos iludir com uma aparente germinação de sementes; o problema será ver os frutos.
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É preciso nos lembramos dos ensinos e da espiritualidade de Dietrich Bonhoeffer, pastor e teólogo o qual até os momentos que antecederam a sua morte sob o regime nazista, jamais deixou de se conduzir e desafiar outros a um compromisso com a fé reflexiva: Sempre de novo deverá ser examinado qual é a vontade de Deus, porque ela (…) não é um sistema de regras pré-fixadas, mas cada vez nova e diferente nas diferentes situações da vida. Coração, raciocínio, observação e experiência devem ser conjugadas para este exame. Ele é tão sério justamente porque já não se trata mais do próprio saber a respeito do bem e do mal, mas da vontade viva de Deus, (…) Nem a voz do coração, nem alguma inspiração, nem tampouco algum princípio de validade universal podem ainda ser confundidos com a vontade de Deus que se revela sempre nova somente a quem sempre procede deste exame.(*6)
Quando a fé é alicerçada na razão o ser humano aprende melhor a lidar consigo mesmo e com a divindade. Lembremo-nos da palavra de Santo Agostinho: A fé e a razão caminham juntas, mas a fé vai mais longe.
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*1. R. A. JOHNSON, He: A chave do entendimento da psicologia masculina, p. 15
*2. Richard P. HEITZENRATER, Wesley e o povo chamado metodista, p. 90
*3. Richard P. HEITZENRATER, Wesley e o povo chamado metodista, prefácio
*4. Apud. Richard P. HEITZENRATER, Wesley e o povo chamado metodista, p. 165
*5. Apud. Richard P. HEITZENRATER, Wesley e o povo chamado metodista, p. 205
*6. Dietrich BONHOEFFER, Ética, p. 28

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